Apenados desempenham papel importante nas comunidades

Apenado executa vários serviços para pagar pelo crime que cometeu
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Apenados desempenham papel importante nas comunidades
Apenado executa vários serviços para pagar pelo crime que cometeu

 

A vida de Kelly Cristina, 28 anos, mudou completamente quando após cometer um crime, ela foi condenada e teve que pagar pelo que fez. Mas por incrível que isso possa parecer, a mudança foi para melhor, pois deu a Kelly uma oportunidade de trabalho, uma chance de recomeçar a vida. Ela é uma das 90 pessoas que cumprem penas alternativas em Araucária, das 210 cadastradas no sistema do Conselho da Comunidade.

“Comecei a cumprir minha pena em 2017, após ter sido condenada pelo crime de receptação e furto. Fui designada para prestar serviço no setor de transporte escolar da Secretaria Municipal de Educação. No começo fiquei muito chateada, nervosa e com medo de como as pessoas iriam me receber, mas todos me trataram muito bem, sem nenhum preconceito. Entrei lá chorando e hoje agradeço pela oportunidade que tive, foi minha segunda chance, pois em abril deste ano acabei sendo contratada para trabalhar em uma empresa de transporte escolar terceirizada. Eu estava há um ano desempregada e posso afirmam com toda certeza que a pena alternativa mudou minha vida, me fez ver que é mais importante andar corretamente, de acordo com a justiça”, diz a moça, bastante emocionada.

Rubens Astorfi Junior, diretor do setor do transporte escolar da SMED, disse que a Kelly, que ainda cumpre a pena, tem uma história difícil de vida, mas nunca faltou serviço e sempre teve uma conduta exemplar. “Ela terá que cumprir a pena por 10 meses, e de um total de 720 horas, ainda tem mais 347, mesmo assim, já foi contratada por uma terceirizada nossa. Eles pediram algumas sugestões e o nome da Kelly estava no meio, elas gostaram do perfil e do trabalho dela, e deu certo. Agora ela intercala entre o cumprimento da pena e o trabalho como monitora do transporte escolar”, comentou Rubens. Ele elogiou e disse que o departamento está aberto para receber outros apenados porque acredita no resultado dessa parceria.

O apenado Romário Eduardo de Miranda, 23 anos, não teve a mesma sorte que Kelly. Ele foi designado pelo Conselho da Comunidade para cumprir pena no departamento de infraestrutura da Secretaria Municipal de Saúde, onde ficou por nove meses. Ele não foi contratado, mesmo assim, comenta que saiu mais experiente porque aprendeu muito nesse tempo. “Fui preso, julgado e condenado por tráfico, minha pena foi de multa e 771 horas de serviços comunitários. Faço faculdade e ainda não consegui arrumar um emprego. Por causa do crime que cometi, toda minha rotina teve que ser mudada, mas acredito que todos devem pagar pelos seus erros e agora espero que uma porta se abra pra mim”, disse.

Nivaldo Luis Borba, assessor de secretário responsável pelo departamento de infraestrutura da SMSA, disse que Romário prestou um excelente serviço no tempo em que cumpriu sua pena alternativa. “O Romário ficou aqui na Infra, era muito ágil, prestou uma ajuda fundamental no dia a dia do setor. Mas ele foi um caso à parte, porque quando o Conselho manda os apenados aqui, analisamos o perfil deles e os encaminhamos para as unidades de saúde, levando em conta a proximidade com suas casas. Eles executam trabalhos importantes, ajudam a manter a limpeza nas unidades, fazem jardinagem e outros serviços, deixam tudo organizado”.

Parceiro antigo

A Escola Municipal Pedro Biscaia, no Campina da Barra, é uma parceira antiga do Conselho da Comunidade. O diretor da instituição, Hector Paulo Burnagui, comenta que recebe serviço dos apenados há cerca de quatro anos e nunca teve problemas com relação ao preconceito por parte da comunidade escolar. Ele conta que se não fosse pelos serviços comunitários prestados pelos apenados, a escola estaria em péssimas condições.

“Eles (apenados) nos ajudam com serviços de pintura, limpeza do parquinho, jardinagem, entre tantos outros, que acabam deixando nossa escola limpa e bonita. Nossa escola sempre foi inclusiva em todos os aspectos, recebemos os apenados e eles nunca nos deram nenhum tipo de problema, pelo contrário, sempre foram de extrema importância para a escola. Vejo isso como uma parceria que deu certo junto ao Conselho da Comunidade”, pontuou.

 

Parcerias que estão dando certo

Nem todo mundo que comete um crime precisa ser preso para pagar pelo erro. Isso porque existe no Brasil uma lei criada em 1998 que instituiu as penas restritivas de direitos, mais conhecidas como penas alternativas, que substituem as penas de privação de liberdade, por medidas alternativas que proporcionem um retorno do condenado à sociedade. A mão de obra do apenado acaba sendo muito útil para a sociedade. Em Araucária, o Conselho da Comunidade auxilia o Poder Judiciário e o Ministério Público na execução e fiscalização das penas privativas de liberdade e tem o papel de ressocializar o apenado e inseri-lo novamente no mercado de trabalho.

“Aqui recebemos pessoas encaminhadas pelas Varas Judiciais, analisamos o perfil de cada uma delas e as designamos para cumprir a pena alternativa em órgãos públicos ou instituições sem fins lucrativos. Acompanhamos o apenado no cumprimento da pena e quando ele descumpre a determinação judicial, temos que oficializar e comunicar imediatamente o juiz da execução, que vai converter a restrição de direitos em pena privativa de liberdade”, explica a assistente social Elaine Cristina Bonvini Solochinski. Segundo ela, os crimes sujeitos à prestação de serviços comunitários são aqueles de menor potencial ofensivo, que não atentam contra a vida humana, como desacato, dirigir alcoolizado sem fazer vítimas, furtos, receptação, tráfico de drogas (em pequena quantidade), falsidade ideológica e porte ilegal de armas. “É importante que a sociedade reconheça que a pena alternativa é a oportunidade de o condenado se redimir pelo crime que cometeu”.

O presidente do Conselho Juscelino Katuragi, ressalta que o órgão existe desde 2001, mas começou a funcionar efetivamente em 2015, com uma sede e estrutura adequada para atender os apenados. “Hoje as coisas funcionam bem, temos mais parceiros para receber os serviços dos apenados, o que antes não ocorria. Em julho de 2017 firmamos um convênio com a Prefeitura, que ficará em vigência até 2020, e através dele, todas as secretarias e departamentos municipais estão de portas abertas para receber os serviços comunitários dos apenados. A administração municipal tem a visão de que estas pessoas merecem uma oportunidade, porque podem prestar serviços importantes para a comunidade”, argumentou Katuragi.

De acordo com ele, o Conselho da Comunidade de Araucária já é exemplo para conselhos de outros municípios. “Recentemente recebemos a visita do pessoal de Campo Largo, cujo conselho é mais antigo que o de Araucária, eles vieram conhecer nosso trabalho e gostaram do que viram”, disse.

Katuragi lembrou ainda que o órgão exerce ainda outro papel importante, que é a assistência aos presos da Delegacia e seus familiares. O Conselho organiza e coordena as visitas para os presos, com acompanhamento da assistente social. “Já foi possível mudar um pouco a realidade da carceragem. Conseguimos um médico que visita os presos a cada 15 dias, levamos produtos de higiene e limpeza, medicamentos, já fizemos a pintura das celas, recentemente entregamos 45 colchões. Tudo isso acaba proporcionando condições mais dignas aos detentos, considerando que essa dignidade reflete diretamente na segurança para os agentes e toda a equipe da DP, pois o preso tratado de forma mais humana, está menos propenso a provocar uma rebelião”, comparou Katuragi.

 

Foto: divulgação

 

Publicado na edição 1121 – 12/07/18

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