O par na quadrilha

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Em algum canto na casa de meus pais ainda existem as fotos da primeira vez que participei de uma quadrilha de festa junina, aos cinco anos. Como eu não sabia ainda que eu teria uma grande decepção, eu estava feliz nos ensaios: meu par seria a menina mais bonita – anos depois ela me causaria uma segunda decepção, quase um trauma, mas já contei essa história. Hoje vou dizer o que houve primeiro. Pré-escola no General Celso, no São Sebastião, professora Bia.

“Oi, bote aqui, oi, bote aqui o seu pezinho, o seu pezinho bem juntinho com o meu”, era genial como a coreografia se encaixava tão perfeitamente com a letra da música, e mágico, quase místico, quando a ponta do meu pé encostava na ponta do pé da Dadi.

Era a única interação que tínhamos, pelo que me lembro, mas era suficiente. Ela não gostava de brincar de rolar pneus no recreio, minha brincadeira favorita, e nem mesmo por amor eu deixaria essa atividade de lado: entre ou­tros pn­eus, menores, havia um de retroescavadeira, e um pneu como aquele era motivo de acirrada disputa entre os amantes daquele esporte.

(Se você estiver se perguntando como os pneus foram aparecer na história, é isso mesmo: na escola havia pneus de diferentes tamanhos que eram disponibilizados a crianças de cinco anos para brincar no recreio. Outros tempos.)

Enfim, ela não gostava. Como eu já disse em outra ocasião, ela pertencia a outra casta social. De modo que eu só a via nos ensaios da quadrilha. Eu nem sequer entendia o motivo de ter que colocar outra roupa e repetir determinados movimentos naquela formação específica, mas, como quase todas as coisas que os adultos me mandavam fazer e eu não entendia, eu simplesmente fazia.

E nesse caso eu gostava. Especialmente daquela parte, do pezinho, e de uma outra, quando de braços dados dávamos uma volta comprida em torno da quadra da escola, além, é óbvio, de quando ela segurava minha mão para dar uma volta completa ao redor de mim.

Eu sabia que haveria o momento certo da apresentação e já entendia o conceito de ensaio: no dia vai ter uma roupa especial que meus pais já tinham comprado, um sapato específico também, e meu pai até levaria a câmera para fotografar. Era coisa importante.

Ela sorria nos ensaios e de tudo é o que mais lembro.

Então chegou o dia certo e ela não apareceu. Esperamos até o último momento — e nem sinal. Tempos depois eu soube que ela só não estava com vontade mesmo, acordou sem disposição naquele dia. As demais crianças já em fila, uma fila de casais vestidos de cai­piras chiques, a postos para iniciar a quadrilha.

Como eu já estava com a roupa, o sapato, e meu pai tinha levado a câmera, me convenceram a dançar mesmo sem meu par. Nas fotos, eu dou minha mão ao ar, que gira ao meu redor, sem sorrir, e boto meu pé colado na linha azul da quadra. No fim da fila, meu braço em posição de casal espera, so­zinho, o par que não apareceu.

Em algum canto na casa de meus pais ainda existem as fotos da última vez que participei de uma quadrilha de festa junina.

 

 

Publicado na edição 1109 – 19/04/2018

O par na quadrilha

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