Visões e imaginário popular no patrimônio imaterial de Araucária

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Entre o patrimônio imaterial de um povo, ou seja, aquele que é passado tradicionalmente de geração em geração de forma oral, existem os famosos “causos”. Quem não conhece pelo menos uma história que foi contada pelo pai ou pela mãe, que ouviu do avô ou da avó, e por aí vai… São histórias que povoam o imaginário popular e animam as rodas de conversa, com personagens como boitatá, lobisomem, visagem, panela de ouro que alguém desenterrou, fatos contados com a credulidade de quem jura que viu, ou ouviu de quem viu, ou ouviu de quem ouviu…

Em tempos passados, quando Araucária ainda não contava com eletricidade e nem combustíveis fósseis, à noite não se ouviam barulhos de carros, nem televisores ou outros eletrodomésticos, mas somente os sapos, grilos e corujas, vez ou outra interrompidos pelo andar de algum cavalo ou carroça. Tempo em que as casas eram iluminadas somente por lampiões, que faziam sombras estranhas pelos cantos, e aguçavam o medo e a imaginação. Nessa época os encontros e o momento das refeições eram preenchidos por conversas, e muitas vezes surgiam histórias fantásticas, que tiravam o sono da criançada e de adultos mais impressionados.

Você já ouviu alguma história sobre panelas de ouro enterradas e guardadas por assombrações? O já falecido senhor Lourival de Lima, em entrevista concedida à equipe do Arquivo Histórico em 2011, quando tinha 86 anos, contou de uma vez em que, quando ainda era menino, sua história se cruzou com a de um personagem conhecido da história de Araucária: o major Sezino, só que em forma de aparição. O major Sezino Pereira de Souza nasceu em Morretes em 1846. Chegou em Arau­cária aos 22 anos de idade, quando a cidade ainda era “Freguezia do Iguassu”. Em 1890 foi nomeado o primeiro Intendente de Araucária, o que equivalia a prefeito, sendo eleito outras vezes depois.

Contou o senhor Lourival que certa noite saiu com seu amigo para caçar tatu, em uma época em que essa prática não era proibida, e, no meio do mato ouviram a aproximação e o tossido de um homem vestido em uma roupa de couro. “Escutava até o cara bafejar assim” – disse ele. O barulho dele os ficava rodeando, como se quisesse contar algo, mas o pequeno Lourival não suportou o medo e saiu em disparada. Ele conta que ali o major Sezino havia enterrado moedas de ouro sem ter contado para ninguém, e após sua morte não podia descansar enquanto alguém não o desenterrasse. Queria ele mostrar ao Lourival onde estava, e entregar a ele o tesouro, porém, sem sucesso por conta da falta de coragem do menino. Era uma sexta-feira, e na noite da sexta-feira seguinte Lourival, o amigo e mais o seu valente irmão voltaram ao mesmo lugar, porém, nesse dia nem uma folha de árvore ali caiu. Contou ele que o major, depois disso, acabou aparecendo em sonho para o próprio filho, pedindo que fizesse sua vontade e desenterrasse o ouro para que pudesse descansar em paz. E assim, ainda menino, por sua falta de coragem, Lourival perdeu a chance de desenterrar um baita tesouro, mas nos deixou esse tesouro de causo.

Esse e outros causos encontram-se no acervo de pesquisas do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres e também no livro Saberes de Araucária, de 2012, que é parte da Coleção História de Arau­cária, produzido pela Secretaria Municipal de Cultura e Turismo.

Texto: Cristiane Perretto e Luciane Czelusniak Obrzut Ono

Publicado na edição 1104 – 15/03/2018

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