Amigo secreto

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Quando abri o bilhete e vi o nome dela eu soube que o destino estava a meu favor. Ser o amigo secreto da menina que eu gostava, colega de catequese, seria a chance perfeita de demonstrar a ela meus sentimentos, muito embora ela tivesse sido, quatro anos antes, motivo de uma decepção tão grande que será assunto para uma coluna toda, mas essa história fica para a próxima edição. Hoje, vou contar o que houve depois – quatro anos depois, quando aos dez anos eu a encontrei novamente, na mesma turma de catequese.

Ela era de outra casta social. A mãe da menina era dona de uma loja de roupas no centro da cidade. Eu mal ia ao centro. E quando ia era de ônibus, acompanhar minha mãe no pagamento de contas ou na compra de tecidos na Tricofil. Eram outros tempos, em que as contas não eram pagas assim, por telefone, e a gente só sabia se havia tecidos em estoque indo pessoalmente à loja.

Implorei pra que minha mãe comprasse um presente caprichado, e não foi fácil convencê-la disso sem revelar meus sentimentos pela garota. No fim, consegui um presente espetacular: um abajur em formato de boneca segurando um guarda-chuvas que acendia só de tocar em qualquer parte de sua estrutura de metal.

Coisa fina o abajur. Certeza que a mocinha ia se apaixonar por mim.

Cheguei pimpão no dia da entrega dos presentes. Pra ajudar, como eu sentava na frente (sendo eu um pio rapaz), fui escolhido para começar a entrega. Por saber que o primeiro presente sempre a­trai a atenção de todos fiquei ain­da mais faceiro:

– Peguei a Dadi.

Não sei se ela continua com o mesmo apelido da época. Quando eu a reencontrei, vários anos depois, já adultos, eu soube seu nome, mas esqueci – já “Dadi” acabou ficando pra sempre.

Ela se levantou, alegre, e abriu o presente, que causou comoção em toda a turma – o professor até mandou ligar o abajur ali mesmo, na sala, pra todos verem funcionando, e eu me sentei novamente, satisfeito por tê-la feito sorrir.

Então foi a vez de ela anunciar quem presentearia.

– Peguei o Sandi.

Um barulho de “oh” percorreu a sala enquanto, atônito de surpresa e amor, me levantei, já pensando não só que o destino escreve certo por linhas tortas mas também que eu obviamente ganharia um belo presente, afinal sua mãe tinha até loja no centro da cidade.

Naquele dia fui embora decidido a afogar meus sentimentos pela Dadi enquanto guardava na mochila o par de meia social com que ela me presenteou. Era a segunda grande decepção que ela me causava, e eu não poderia deixar que houvesse uma terceira.

Como o espaço acabou, na próxima edição eu conto a primeira – e pior.

 

 

Publicado na edição 1107 – 05/04/2018

Amigo secreto

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