Deus e os dinossauros

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O sujeito acordou a esposa e disse que Deus apareceu em seu sonho e deu a ele uma missão. Ou melhor, uma dica de empreendedorismo. Ele devia vender sua pequena empresa e seu carro e ficar apenas com a casa. Então deveria pegar o dinheiro obtido com as vendas e aplicar em um determinado investimento.
Já te conto qual foi o investimento. Antes, preciso contextualizar a época em que isso aconteceu. Foi no início dos anos 1990, quando a TV Globo passava nas manhãs um seriado que ficou no coração de muita gente, a Família Dinossauros. Dependendo da sua idade, você se lembrará do seriado.

Se não lembra, o importante aqui, para entender a história, é saber que o personagem central da série era o bebê dinossauro, criativamente batizado de Baby. Era um dinossauro rosa, malcriado e mimado, cujas vontades eram atendidas sempre o mais rápido possível. Era insuportável, porém (ou talvez por isso mesmo) muito engraçado. Seu bordão principal ficou famoso no Brasil todo — ele gritava para o pai: “não é a mamãe!”.

Pois bem, Deus apareceu no sonho do nosso personagem e disse pra ele investir todo o dinheiro que conseguisse em máquinas para confeccionar bótons. Isso mesmo: bótons, aquelas rodelinhas de metal com um alfinete colado atrás, muito usadas nas bolsas, bonés e camisetas dos jovens. Aparentemente a palavra correta é “button”, mas a história é brasileira demais pra isso e eu tenho certeza que no sonho a pronúncia de Deus foi “bótons” mesmo.

Deus disse pro sujeito investir tudo na fabricação de bótons do Baby.

A esposa, inicialmente, estranhou, afinal não é todo dia que uma pessoa acorda com o marido gritando que tem que vender tudo porque recebeu uma missão divina. Mas quem era ela pra discordar de uma ordem do céu?

Ele sabia que só precisava de uma máquina e de alguns bótons para confeccionar, já que a partir da primeira peça feita e vendida a lucros divinos o negócio se manteria sozinho. E ele tinha certeza disso, afinal não foi uma mera consultoria do Sebrae que o tinha orientado.

A empresa e o carro foram vendidos a preços bem abaixo do mercado, porque a pressa era grande e a vitória era certa. Porém, quando se tem certeza da vitória a gente não presta muita atenção no jogo. Deus esqueceu de comentar com ele sobre a burocracia e as taxas de se montar um novo negócio, o que já foi o primeiro golpe.

O segundo golpe, e talvez o principal, foi que aparentemente o personagem não era assim tão amado pelo público jovem. As vendas no primeiro mês foram fraquíssimas, no segundo ainda piores, no terceiro sua fé fraquejou quando acabou o leite da geladeira.

Perdeu a esposa, a geladeira, a casa. No quartinho dos fundos de sua casa alugada, caixas de bótons do Baby se acumulam umas sobre as outras. Ninguém mais lembra do seriado. Na sua cabeça, entre um gole e outro, o dinossauro rosa repete infinitamente seu bordão.

 

Publicado na edição 1099 – 09/02/2018

Deus e os dinossauros

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