O aposentado

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O aposentado está sentado no banco da praça, com um ar cansado mas tranquilo. Distribui grãos de tom levemente alaranjado às pombas. Uma brisa lhe bagunça o cabelo branco e escasso, ele levanta a cabeça. Esse vento é novo, pensa. Lembra-se que perdeu o chapéu que usou nos últimos seis anos. Será que vai precisar comprar outro antes que aconteça? Sabe que algo está prestes a acontecer, não sabe exatamente o que nem quando. Mas uma sensação de iminência já vem tomando conta dele há algum tempo. A praça é conhecida por ser frequentada por idosos que jogam xadrez ou fazem exercícios nos equipamentos colocados lá pela prefeitura, além de usuários de drogas e criminosos de pequenos furtos. O aposentado não joga xadrez nem quer se exercitar: só vem à praça para alimentar as pombas. Já segue essa rotina há vários anos. Está esperando. Identifica um grupo de pessoas caminhando em sua direção e pensa que talvez estejam indo ao teatro que se pode divisar às suas costas. Quando jovem chegou a se apresentar naquele teatro. Sorri com a lembrança. Mas o grupo olha para ele — e as pessoas também parecem sorrir. Estudantes, talvez. Na sua visão já danificada parece perceber uma criança no grupo. A criança veste uma roupa clara, como quase todos ao seu redor. Não são estudantes, o grupo tem pessoas de várias idades. Poderia ser uma família, mas também os tipos são diversos demais, e de fato olham para ele, e de fato sorriem. O aposentado vê quando um deles aproxima-se mais que os outros, mais rápido. Pode ser um advogado, pelo seu jeito de andar. Suas roupas não dizem o mesmo: está usando uma camisa regata. O aposentado acha estranho: quem usa camisa regata num tempo desses? E ainda acha curioso o seu próprio pensamento: ninguém diz “camisa regata”, mas “camiseta regata”. Os dois sorriem um para o outro. O advogado agacha-se diante do aposentado, mas não lhe estende a mão. O restante do grupo aproxima-se. A criança tem um sorriso curioso e excitado. O advogado olha fixamente nos olhos do aposentado – está na hora – e desfere-lhe violentamente o primeiro golpe, de punho fechado, na maçã esquerda do rosto. O gesto parece ser um sinal de largada, imediatamente o restante do grupo corre na direção do velho, vários golpes na cabeça e tórax. A criança continua sorrindo, não com maldade, mas sereno, mesmo quando uma mu­lh er de meia-idade usa um pesado pedaço de madeira para dar fim à agressão. Uma derradeira pancada seca, os olhos do aposentado sangram, transformando-o em um corpo. O advogado arrasta o velho para longe do banco. Volta sorrindo e coloca no lugar do velho a criança, sorridente majestade. Um criminoso de pequenos furtos revista os bolsos do aposentado. Todos vão embora, exceto a criança, que pega do bolso um saquinho de grãos levemente alaranjados e começa a distribuir às pombas.

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