O batismo

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Ele estava realmente animado: era o dia em que participaria de um ritual na igreja em que as pessoas costumavam sentir o toque divino. Desde muito cedo ele acompa­nhava essas sessões em que outros, mais velhos, passavam por isso. E eles sempre saíam de lá emocionados depois da experiência mística. O que mais o intrigava era que as pessoas desmaiavam quando isso acontecia.

Tirando os casos de doença ou acidente, ele não conseguia imaginar o que poderia acontecer de tão forte com uma pessoa para que desmaiasse. Não era capaz de conceber o sentimento de ser invadido pelo espírito santo a ponto de não conseguir se manter lúcido.

Sua camisa social branca já molhada de suor no colarinho, a fila se movimentando lenta em direção ao pastor, a tensão aumentando a cada passo. Lá na frente, o pastor se abaixava, segurando na cabeça da criança a sua frente, dizia algo e a criança caía, desmaiada. Meu Deus, que palavras são assim tão poderosas? Qual será a voz de Deus?

Seu irmão mais novo seguia a sua frente, também respirando fundo, também tenso, também curioso. Ambos esperavam há muito tempo por este dia. Era a ocasião que separava os meninos dos homens. Secretamente, invejava os amigos mais velhos que já tinham passado pela cerimônia.

A fila diminui: o próximo a receber o toque divino é seu irmão. O pastor segura sua cabeça e se abaixa para falar em seu ouvido. As mãos do pastor têm as unhas muito limpas, é só o que ele consegue pensar antes de se assustar: seu irmão cai no chão, desacordado.

É a sua vez, e sua tensão está no limite quando a mão do pastor lentamente se move em sua direção, é possível sentir seu perfume, ele está se abaixando, é agora, ele pensa, ele vai dizer as palavras mais poderosas que eu já ouvi, será que o desmaio vem instantaneamente? O que eu vou enxergar?

O pastor se abaixa e diz “eu te batizo em nome de Jesus”. O menino espera ser tomado pelo espírito. O pastor vai soltando devagar, ao mesmo tempo tomando cuidado para segurá-lo quando ele cair. Mas ele não cai. Ele apenas espera. O pastor repete: “está batizado, meu filho”. E o menino concorda com a cabeça, mas continua em pé.

O pastor decide ajudar Deus e dá uma empurradinha de leve no menino, esperando que ele entenda a deixa. Mas o menino está ali, firme. Nada de desmaio. Até queria, mas simplesmente não acontece. Diferentemente de todos os demais, que agora encontram-se no chão, empilhados em volta do pastor.

É quando ele se lembra do irmão e olha na direção dele. Ele está com um olho fechado, o outro aberto. Aparentemente o irmão mais novo não queria passar vergonha diante do Todo-Poderoso e se jogou no chão, e agora espia para ver se o mais velho vai ser abençoado. Reparando bem, todos no chão parecem estar fingindo: alguns fecham os olhos rápido quando percebem que tem alguém olhando.

Ele entende, finalmente. Deita-se no chão e deixa o show continuar.

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