Autoridade, abuso e poder

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Uma lei para proibir o abuso de autoridade parece uma questão óbvia, até por que não soa razoável defender que alguém, seja quem for, se valha de suas prerrogativas para ir além de suas atribuições regimentais, especialmente se avança sobre a dignidade humana ou visa atender a interesses escusos. Naturalmente em um mundo ideal, onde a sociedade seria plenamente nutrida de valores éticos e morais as leis nem seriam necessárias, porém, por estarmos muito distantes do ideal é sine qua non criar regras para coibir e punir todo e qualquer comportamento transgressor.

No Brasil desde 1965 temos uma lei de Abuso de autoridade, contudo, o tema foi requentado devido ao projeto aprovado no congresso que atualiza o conteúdo da mesma, as alterações têm provocado arrepios em algumas autoridades vigentes que as interpretam como uma tentativa de tolher as ações de investigação e repressão contra o crime, alguns vão além, imputam a essa determinação legal a alcunha de “estatuto de bandido”.

Como o Direito não é uma matemática exata e este que vos escreve é apenas um cidadão comum, bem distante da verdade absoluta, lanço dois olhares sobre o tema: O primeiro observa que a normativa legal já existente parecia pouco efetiva e provavelmente por isso, pouco incômoda as autoridades. Quem sabe o recente desejo em punir abusos, se dê apenas agora porque até aqui as vítimas eram quase sempre, pessoas comuns, desafortunados, enegrecidos, marginalizados que vagavam vulneráveis a assimetria da relação entre individuo x autoridade, na qual toda e qualquer ação daquele que está revestido da outorga do Estado é justificável em detrimento da fala do outro. Na história recente, é possível que também membros da alta classe tenham se sentido injustiçados e só então o cumprimento da lei passou a ser de fato cobrado. Não por que os nobres buscam justiça para todos, mas sim porque não toleram autoridades acima da deles.

O segundo ponto de vista é na intenção de entender o esforço contrário à lei, concluo que só pode ser a luta pela manutenção de privilégios, é o desejo de permanecer blindado sob o escudo da farda, da toga e de outras prerrogativas. Não especulo pelo viés da ilicitude, mas sim pelo direito de errar a mão, de exceder na intenção de acertar, de transgredir apenas quando for para abater o suposto transgressor. Conceder o direito ao erro é seguir indiferente ao dano causado na vítima.

O Estado democrático de direito não pode se permitir a esse contrassenso, fazer da exceção a regra. A ação de inteligência aliada à postura ética e humanizada saberá salvaguardar os limites constitucionais. Todos de modo geral vivemos sobre a linha tênue do certo e do errado, relativizar para poucos é reforçar o descrédito das instituições. Melhor andarmos todos vigilantes e zelosos no que concerne a legalidade de nossos atos do que folgarmos na permissividade seletiva e injusta. Acalmem-se, afinal, não há abuso quando se defende a verdade, não há abuso quando a função é servir e não se servir, portanto que punam sim os abusadores.

Publicado na edição 1180 – 19/09/2019

Autoridade, abuso e poder
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