Promotor fala dos avanços das leis que protegem menores

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O tema violência sexual contra crianças e adolescentes veio à tona esta semana por conta do Dia Nacional de Combate – 18 de maio. Apesar disso, a preocupação com o problema deve ser constante e toda a população deve estar engajada em buscar soluções contra este tipo de crime.

Para falar a respeito da questão e sobre os avanços da legislação brasileira, o Jornal O Popular entrevistou o Promotor de Justiça David Kerber de Aguiar, titular da 2ª Promotoria da Vara da Infância e da Juventude de Araucária. Acompanhe a entrevista.

O Popular – Na sua opinião, houve um avanço no combate a este tipo de crime no Brasil ou o que avançou foi uma maior sensibilidade de todos, inclusive da mídia, de abordar o tema, refletindo num aumento das denúncias?

Promotor David – A preocupação em proteger crianças e adolescentes no Brasil evidenciou-se a partir de 1927, com a criação do primeiro “Código de Menores”, contudo, não havia ainda enfrentamento eficaz contra a exploração sexual, abordando mais a assistência a crianças abandonadas física e moralmente. Somente a partir de 1988 e 1990, com a criação da atual Constituição Fe­deral e Estatuto da Criança e do Adolescente se verificou uma abordagem firme contra as violações sexuais sofridas, movimento motivado por casos concretos graves ocorridos. Desde então houve uma maior estruturação da Rede de Proteção à criança e adolescente, com a criação do Conselho Tutelar, de canais de denúncia anônima e direta como o Disque 100 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que possibilitaram a população em geral acionar a atuação para proteção das vítimas, o que representou um grande avanço no combate a este tipo de crime. Também em 2003 o Governo Federal criou a Comissão Intersetorial para enfrentamento à Violência Sexual contra crianças e adolescentes, formada pelos três poderes, além do Ministério Público e organismos internacionais e entidades de sociedade civil. Logo, inegavelmente houve progresso e as campanhas educativas (e informativas) igualmente aguçaram a sensibilidade de toda sociedade no auxílio à repressão de tais fatos, que se reflete, entre outros, na grande quantidade de denúncias anônimas recebidas em todo o país. Outra colaboração muito produtiva e necessária se deu com a mídia em todos os seus âmbitos, que vem pontuando e chamando a atenção para reflexão social do tema.

A situação de exclusão social e a ausência de uma família protetiva seriam hoje os fatores principais para a incidência da violência sexual contra crianças e adolescentes?

A exclusão social é sem dúvida um fator que explica grande parte dos problemas brasileiros, dentre eles, a violência sexual infantil. Mas não se pode tratá-lo como único, recordando que exis­tem várias modalidades de exploração sexual, dentre elas a prostituição infantil, pornografia infantil e turismo sexual. Claro que o perfil da maioria das vítimas chama atenção para a vulnerabilidade social. Mas embora a pobreza sujeite muitas crianças e adolescente à exploração sexual infantil, existem casos em que a situação decorre de patologia de quem procura essa violação. A esse título veja que em 2006, segundo pesquisa divulgada no periódico ‘Isto É’, o Brasil liderava o ranking mundial de pedofilia pela Internet, sendo que o perfil dos pedófilos seriam brasileiros com idade entre 17 e 24 anos, de classe média. Em tais casos, o fator determinante é a patologia dos agressores, que exploram a imagem das crianças sem que estas sequer percebam a gravidade da conduta. Por isso que independentemente da classe social, a sociedade, familiares e pessoas próximas em especial, devem estar atentos à rotina das crianças e adolescentes visando à prevenção, e assim, mitigando a ocorrência de situação de risco.

O Senhor acredita que a legislação brasileira contra este tipo de crime está mais avançada do que em outros países?

Toda legislação específica sobre exploração sexual, no mundo, tem como base a Declaração sobre os Direitos da Criança, ratificada em 1923 em Genebra, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela ONU em 1948, a Convenção sobre os Direitos das Crianças, de 1989, e a Declaração de Viena, em 1993. A exploração sexual infantil é objeto de preocupação mundial. Obviamente a extensão das medidas legis­lativas de proteção a crianças e adolescente varia entre os países, sofrendo influência das diversidades econômicas, culturais, dentre outras. Nesse passo a legislação brasileira em geral é avançada, aborda as condutas e punições rigorosas por todo tipo de violação de direito das crianças e adolescentes, contudo, carece de maior publicidade à população, a fim de atingir a efetividade desejada, vez que se trata de assunto relativamente novo e em construção.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tem funcionado na prática ou ainda tem ficado muito preso a teoria?

O ECA é uma legislação razoavelmente nova e vem adquirindo maior efetividade, a partir da implementação de políticas públicas, criação de órgãos de proteção, colaboração da sociedade e mídia. Ele entrega muitas soluções possíveis ao caso concreto, o que é bom em razão da variedade das demandas, mas certamente essa área necessita de um maior aparelhamento (material e de pessoal) das entidades responsáveis pela Rede de Proteção da criança e do adolescente, e por isso ainda demandam uma maior atenção pelas autoridades públicas.

Especificamente em Araucária, a Promotoria recebe muitos casos relacionados a violência sexual contra crianças e adolescentes?

Acredita-se que os relatos que cheguem ao conhecimento dos órgãos de Proteção, Ministério Público e Judiciário sejam irrisórios, frente ao número real de casos, considerando que a sociedade em geral tem dificuldade em identificar a violência sexual por ausência de conhecimento. As pessoas desconhecem que os tipos penais, acreditando que a violência sexual estaria caracteri­zada apenas com a conjunção carnal ou ato libidinosos graves como sexo anal e oral, ignorando outras condutas como expor à criança a materiais pornográficos, toques lascivos, dentre outros. Por vezes, a família, movida pelo sentimento e temor do julgamento social, deixam de expor a situação, apenas afastando o agressor ou coadunando com a conduta, o que é um erro, pois a omissão também configura crime e não admite um tratamento adequado a vítima, além de deixar impune o agressor que tem a tendência de repetir a conduta com outras vítimas.

FOTO: Everson Santos

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