Uma noite ímpar

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I. Da introdução

Quando um bar está muito cheio, normalmente as pessoas esperam um pouco até liberar uma mesa. Não demoraria demais, não havia muita gente de pé. Mesmo assim, o segundo bar tinha uns amigos chamando a gente.

II. De uma lembrança

Quando eu tinha uns 16 anos, frequentava festas de rock. Muita gente de preto, muita bebida, muito rock mal tocado.

III. Do segundo bar

Muita gente de preto. O blues é bem tocado. Um primeiro bêbado tenta se apoiar numa lixeira. No chão, o primeiro bêbado e a lixeira. Estou conversando com um homem que tem cabelo de um lado e é careca do outro. O bigodinho é novo: eu digo que lembra Hitler. Ele observa que seis pessoas já disseram isso, que ele está fazendo uma contagem. Outros disseram que ele parece Chaplin. Que se eu via Hitler eu deveria repensar as coisas pelas quais me interesso. O primeiro bêbado se aproxima: “desculpa, não queria incomodar… é complicado… tô de cara…”

IV. De um sufoco

Existe um caixão encostado numa parede. A namorada do amigo entra no caixão e sai rápido: “sufoca”, observa.

V. De um pingente

Um homem está pendurado na luminária. É o homem que Chaplin me apresentou como dono do bar. Ele está pulando em cima da bancada de atendimento. Os clientes vão ao delírio. Ele vai ao delírio. A banda vai ao delírio. Ele bate a cabeça no teto. Eu vou ao banheiro.[

VI. Do banheiro

Nos acampamentos, banheiros e cinzeiros são o mundo todo: um carreirinho por entre o matagal que abre numa clareira. Eis o banheiro do bar. Existe outra opção: aguardar uns 40 minutos na fila para o único banheiro construído para esse fim. Unissex.

VII. De um temor

“Talvez eu morra”, diz a mensagem de celular que eu envio.

VIII. De uma expulsão

Um homem não seguiu as regras do bar (desconheço). É gentilmente expulso.

IX. De uma  observação pertinente

“É o que dá se envolver com juvenil”, diz a namorada do expulso.

X. De um intelectual

Chaplin está lendo um livro de Paulo Leminski num canto do bar.

XI. De um esportista

A multidão se abre. Não é briga. Chaplin passa pedalando em meio à multidão.

XII. De uma decisão

Vou embora.

XIII. Da volta ao primeiro bar

Um homem grita na mesa de trás. “Essa não, essa me faz lembrar minha amada. Aí eu tenho vontade de chorar. Toca outra, toca outra”. A dupla continua tocando a mesma.

XIV. Da quase conclusão

Um carro está batido num poste. Volto para verificar se o motorista está vivo. Está vivo. E bêbado. E ao celular. “Bati o carro num poste, pô. Bateu, tá batido. Não estou te ligando pra ouvir opinião. Tô sozinho, agora chegou uns amigo meu aqui”. Não o conheço.

XV. Da conclusão

Preciso sair mais. Preciso sair menos.

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